Hoje
mais do que nunca, construir o braço feminista do sindicalismo revolucionário!
Edson Guimarães, militante da Oposição CCI*
“A luta de classes, fato histórico e não a afirmação teórica,
é refletida no nível do feminismo. As mulheres, como os homens,
são reacionárias, centristas ou revolucionárias. Elas não
podem, portanto, travar a mesma batalha juntas.”
Mariátegui, Reivindicações Feministas.
A construção do feminismo
classista no Brasil hoje é um tema explosivo que vem gerando em diversas
frentes de luta questionamentos, repulsa ou fortalecimento de um polo de
mulheres combativas. Frente a uma sociedade fortemente marcada pelo
conservadorismo patriarcal e pela mercantilização crescente do trabalho e do
corpo da mulher, a luta feminista classista se demonstra uma necessidade
inadiável. Apesar disso, tal construção bate de frente a um movimento feminista
pequeno-burguês hegemônico e terá de se afirmar em uma dura convicção frente a
uma “maioria” afundada em confusões teóricas, práticas e oportunistas, sob a
pena de vencer ou se arruinar no pântano da luta fraticida (homens x mulheres)
e/ou reformista.
Para nós este é um debate central
hoje não só na UnB como no Brasil. Atualmente dentro da esquerda e
principalmente dentro de círculos universitários é comum escutarmos a defesa da
importância do movimento de gênero, assim como do movimento de classe. Isto é
fundamental e básico, pois o feminismo e a liberdade sexual assim como a igualdade
social são elementos essenciais para qualquer organização revolucionária.
Apesar disso, são costumeiramente tratados de forma separada. Uma coisa é uma
coisa, outra coisa é outra coisa. Pautas de classe (“salariais”) e pautas de
gênero (“liberdade corporal”).
Em nossa visão está na raiz dessa
separação a concepção pequeno-burguesa de feminismo e do determinismo econômico
que secundariza as opressões. Não adianta falarmos da sua transversalidade se ela
não é pensada e colocada em prática. As deformações surgem dessa separação e o
pós-modernismo e o marxismo reformista reproduzem este problema. A esquerda
oportunista que elegeu o operário industrial como o único guia da revolução no
Brasil, enxerga nos movimentos de gênero, assim como no movimento estudantil e
camponês, setores pequeno-burgueses dispostos a apoiar o movimento
revolucionário. Dessa forma pré-concebem a característica supostamente
pequeno-burguesa (ou policlassista) do movimento de gênero e a potencializam,
destinam-se assim a ser movimentos de apoio, e apenas isso, pois não é considerada
a possibilidade se constituírem como autênticos movimentos de classe.
Dessa forma não se questiona a
prática desses movimentos “de apoio”, simplesmente se adequa aos seus vícios
pequeno-burgueses, considerados como inerentes a estes. A prática dos “Beijaços”,
por exemplo, puxadas pela ANEL são defendidas enquanto ações anti-homofóbicas “inquestionáveis”
apenas até os limites do movimento estudantil, já que no movimento sindical da
CSP-CONLUTAS onde predomina a prática “séria” da classe, estas práticas não
possuem nenhum eco, nem são incentivadas pelo mesmo partido, PSTU. Há uma clara
descontinuidade nas políticas de classe e adequação a demandas
pequeno-burguesas no ME e ao mesmo tempo burocratização da esfera sindical, que
sob o discurso da seriedade descarta até a ação direta de classe, como um
“desvio de juventude”.
Já o pós-modernismo chega a
resultados semelhantes, mas por outras vias. A sua critica as meta-narrativas,
grandes teorias de explicação da realidade (a exemplo o próprio marxismo),
levou a afirmação da particularidade como único critério do real, abandonando a
idéia de um movimento unificado ou universal, para defender a idéia de micro-revoluções
particulares. Essa influência conduziu os movimentos de gênero, negro, etc, a
se fragmentarem e a se transformarem reféns das lutas reformistas,
corporativistas, apenas por políticas públicas específicas sem vislumbrar a
própria revolução social e o questionamento da ordem geral capitalista e sua
superação (elemento fundamental para o anarquismo).
A concepção de uma das principais
figuras públicas do MPL-DF representa bem essa concepção autonomista pós-moderna.
Em entrevista a revista Darcy Ribeiro N°6, na matéria a “Voz dos Independentes”
ela afirma: “Ninguém quer derrubar o
Estado, a mudança pode ocorrer por meio de outras estruturas, de uma revolução
cotidiana”. Assim, continua o particular negando o geral e o geral negando
o particular, gerando diversas formas de reformismos.
O resultado prático é a negação da
transversalidade, ou seja, a negação do um feminismo classista. Para contrapor
estes problemas é preciso ter em mente duas ideias chaves: 1° que toda
particularidade traz em si um germe de universalidade e 2° que a materialidade
da classe comporta as particularidades econômicas, políticas e culturais,
indissociáveis, e se estende muito além do operariado industrial atingindo
todos aqueles que vivem do seu próprio trabalho. Neste sentido o movimento de
mulheres trabalhadoras e suas pautas, ainda que particular em relação ao
conceito de mulher em geral (abstrato), é o único capaz de levar suas pautas
até as últimas consequências e de fato emancipar a mulher em geral (concreto),
da mesma forma que apenas o movimento da classe trabalhadora visa libertar a
humanidade em geral, e não o fará sem o movimento classista de Gênero e de Raça.
O que isso significa?
Significa que o momento atual nos
exige pensar nas pautas transversais que sintetizem ao mesmo tempo a condição da
mulher e da trabalhadora. As creches públicas, direito ao aborto e hospitais
100% públicos e gratuitos, licença maternidade, igualdade e aumento salarial,
política de contraceptivos gratuitos, direito a auto-defesa, educação sexual
nas escolas públicas, vacinação gratuita, fim da violência nas periferias e
espaços de trabalho\estudo, etc. Pautas que hoje são esquecidas ou muito
difusas na Marcha das Vadias. Mas por que? Por que isso não interessa
materialmente a um setor de mulheres que pelo fato de serem privilegiadas, por
serem gerentes, patroas ou mesmo por possuírem boas rendas podem desfrutar de
serviços privados e elitizados. O próprio capitalismo (e isso inclui mulheres
capitalistas) se beneficia estruturalmente do machismo super-explorando as
mulheres, e isto também é um fato. Por isso o feminismo classista é uma
necessidade, pois só ele levará esta luta frente.
Dessa forma o particularismo
(pós-moderno) e o economicismo (marxista-reformista) isolam o feminismo. Um é
colocado no pedestal como única particularidade legítima, o outro como
particularidade secundária. O corporativismo e a visão pequeno-burguesa dessa
forma são reforçados. E não pelas vontades individuais, mas pela dinâmica do
movimento que ao negar a centralidade de classe e do materialismo na prática
(ainda que as vezes seja exaltado em palavras), leva o movimento a se centrar
no campo do discurso, da jurisdição, do subjetivismo, se concentrando no
denominador comum das “mulheres em geral” (inclusive a burguesa) se afastando e
na maioria das vezes ocultando os interesses inconciliáveis das trabalhadoras.
Um exemplo disso é: de onde vem a
concepção de feminismo da Marcha das Vadias, sua pautas, seus métodos e base
social? Sua base social e de formulação ideológica são muito concretas,
universitária e pequeno-burguesa (literalmente em muitos casos donas de
estabelecimentos, exploradoras de trabalhadores). E a negligência da marcha das
vadias a pautas das mulheres pobres e negras não é muito diferente da
negligência que grande parte dos setores “feministas” da UnB, por exemplo,
deram a demissão das trabalhadoras terceirizadas grávidas no final de 2013, ou
as estudantes expulsas recorrentemente da Casa do Estudante também por gravidez
(sem creches e direitos), que nunca tiveram uma campanha séria na Universidade
de Brasília, a não ser pela luta travada pela Oposição CCI, ainda que limitada.
A condição de classe, portanto é
o que permite a transversalidade, unindo homens, mulheres, negros, brancos, indígenas,
LGBT’s, entre outros por uma bandeira comum: a luta contra a exploração e a
dominação, da qual todas as opressões são influenciadas e potencializadas, quer
queira quer não. A forma de se quebrar o isolamento e o reformismo são unificar
e ao mesmo tempo formular pautas e métodos específicos. Unificar sob duas
perspectivas: a) Unir organizações feministas, étnicas, sindicais e estudantis,
numa Central de Classe Sindicalista Revolucionária (que é o que defende a RECC);
b) Unir a condição de classe com a condição de gênero.
A diferenciação dos métodos
também é uma trincheira de classe, pois enquanto para a mulher burguesa o mundo
ilustrado, da jurisdição ou da linguagem universitária, é seu campo por
excelência de “combate” e privilégio, onde suas demandas são em parte atendidas
e garantidas, já para as mulheres trabalhadoras este mundo não passa de ficção,
só as greves, as manifestação de rua, ocupações, podem garantir a conquista das
reivindicações concretas. Não adianta, portanto lutar apenas pelas leis
(legalização do aborto, por exemplo), é necessário a reivindicação do sistema
público e gratuito de saúde, e seguir na luta pela transformação radical da
base material da sociedade.
A luta contra as opressões devem
assim ser pauta de toda classe travando um combate cultural interno e
estrutural para fora. É necessário para isso separar o conceito de contradição
do de antagonismo. Mulheres e homens trabalhadores vivem uma contradição
cultural (nem por isso menos material) que não será superada pela destruição de
um dos lados, mas sim com a luta pela igualdade, a autocritica e a disseminação
de uma cultura e prática libertadora. A exploração de classe é um antagonismo
(irreconciliável), que busca a destruição da burguesia, se desenvolvendo para
um combate frontal, uma guerra física, dada que estão baseadas em relações de
propriedade, interesses e posições econômicas (que inclusive fortalecem o
machismo).
O protagonismo da mulher de forma
geral é então entendido por nós, não como o de qualquer mulher, mais o da
mulher trabalhadora, de seu programa e de seu método. A ideia da
representatividade simbólica da “mulher em geral” é diferente de nossa
perspectiva de protagonismo. Primeiramente por que o objetivo é garantir o
protagonismo feminino na luta pela revolução e não na representatividade dentro
das instituições burguesas (parlamento, diretoria de empresas, polícias). Segundo,
um avanço não se dá pela simples ascensão de uma mulher ou oprimido ao poder,
ou pelo monopólio da fala e do espaço, e sim do conteúdo de seu programa e de
seus métodos (o feminismo classista), e isso pode ser feito por mulheres e
homens conjuntamente, mas nunca sem as primeiras. Isto é tão dramático que o
capitalismo neoliberal vem se utilizando recorrentemente do discurso e da
representação simbólica dos oprimidos (vide Lula o Operário, Dilma a Mulher e o
Obama o Negro), para perpetuar a própria opressão sobre essas “minorias”, farsa
que a esquerda e setores autonomistas muitas vezes reproduzem na sua ação
cotidiana, de forma inocente ou oportunista para a perpetuação de seu próprio
poder (como visto na ação dos governistas na greve das IFES de 2012).
Por fim, aponto que é a questão material
(entendido em seu sentido amplo e não apenas econômico) que permite tirarmos da
marginalidade do “discurso inclusivo”, da ideologia neoliberal, a exploração e
o machismo escamoteado nas ações patronais, instituições e nas causas sociais
que levam o povo a se embrutecer e a se oprimir mutuamente. Dessa forma, o
feminismo classista é a perspectiva transversal e nosso objetivo deve ser no
plano geral unificar e não dividir homens e mulheres. É necessário dar
continuidade a esta construção e aprofundá-la, desenvolvendo uma verdadeira
ruptura com o feminismo burguês e atacar a farsa do discurso da “inclusão”.
Viva as mulheres
anarquistas que deram suas vidas a libertação das mulheres e do povo
trabalhador! Resgatar sua história e exemplo!
Viva Lucy Gonzales Parsons, líder operária
negra!
Viva Louise Michel,
líder das barricadas da Comuna de Paris!
Viva Fanya Baron,
exemplo de abnegação e luta!
Viva Espertirina
Martins lutadora do movimento operário brasileiro!
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