Este artigo é uma contribuição do estudante José Antônio, militante da Oposição CCI ao DCE-UnB, à Plenária Nacional da RECC e ao Encontro Nacional de Oposições Populares, Estudantis e Sindicais (ENOPES) que ocorrerão em novembro de 2013, no Rio de Janeiro. Boa leitura!
* * *
Sobre a luta reivindicativa e o papel do trabalho de base combativo: nem
subjetivismo, nem fatalismo.
José Antônio, militante da Oposição CCI ao DCE-UnB.
"... a ciência
social, enquanto doutrina moral, não faz outra coisa senão desenvolver e
formular os instintos populares. Mas entre estes instintos e esta ciência, há
no entanto um abismo que é preciso preencher. Pois se os instintos justos
fossem suficientes para a libertação dos povos, eles já estariam libertos há
muito tempo. Estes instintos não impediram as massas de aceitar no decurso da
sua história, tão melancólica e tão trágica, todos os absurdos religiosos,
políticos, econômicos e sociais de que foram eternamente vítimas." (Mikhail Bakunin)
O objetivo inicial desse texto era combater o subjetivismo na
militância, aspecto este responsável em grande parte por erros no curso das
lutas reivindicativas e que levam em muitos casos a posteriores “desilusões” ou
sectarismos diversos, porém, com o desenrolar da reflexão vimos a importância
de incluir o seu oposto na crítica (o fatalismo), tendo em vista dissolver mal
entendidos e de fato apresentar uma análise mais “completa” (ainda que
obviamente com diversas lacunas).
Primeiramente, devemos entender que as
lutas reivindicativas não são logicamente construídas, elas não ocorrem ou
deixam de ocorrer simplesmente por serem consideradas mais “justas” ou não, ou
seja, as lutas reivindicativas não se formam unicamente por meio da
argumentação lógica da justeza de uma causa "X" ou "Y" (o mesmo
vale para a revolução: ela não é construída por meio da propaganda e da
explicação lógica para os trabalhadores de que a revolução é necessária para
acabar com seus males). As lutas reivindicativas ocorrem pelas condições
objetivas e históricas que se encontra determinada fração de classe específica
(no caso de reivindicações específicas), e o que determina se elas são lutas
reivindicativas avançadas ou atrasadas é determinado nesse sentido por estes
fatores históricos e objetivos, ou seja, relativos. Por exemplo, a luta
internacional pela jornada de trabalho de 8 horas, ocorrida desde o século XIX,
não nos torna mais avançados por lutarmos pela jornada de 6h atualmente. O
mesmo pode ocorrer em algum local do país onde os estudantes estejam reivindicando
o meio-passe, ao invés do passe-livre. Ou trabalhadores rurais que reivindicam
o pagamento do salário atrasado, da marmita estragada, ou demais lutas reativas
e defensivas, ao invés do salário mínimo indicado pelo DIEESE. Estudantes que
defendem a não adesão ao ENEM, ou o fim das taxas do vestibular, ao invés do
fim do vestibular. Talvez realmente em termos políticos estas sejam reivindicações
"atrasadas", porém, o são relativamente ao que está em pauta nas
frações ou setores mais avançados do proletariado brasileiro, mas não, muitas
vezes, em relação as condições particulares de determinado local de trabalho,
estudo ou moradia.
As conjunturas de refluxo ou assenso colocam
toda a classe trabalhadora nestas condições, até mesmo seus setores mais combativos.
Não é uma simples escolha própria (uma questão de decisão) fazer lutas “defensivas” ou “ofensivas”. Devemos sim
compreender nossas tarefas na atual conjuntura internacional, nacional,
estadual, em cada curso, escola, etc. e a partir das condições que encontramos
nestes locais, buscar, a partir do nível de organização, da consciência da
fração de classe, do nível de conflito social, disputar (isso sim!) o curso do
desenvolvimento da luta reivindicativa. O que significa “disputar o curso da
luta”? Significa dar a nossa opinião, a nossa orientação, propor métodos e
formas de organização combativas, desfazer ilusões e desmascarar os
oportunistas aos olhos da base, demonstrando que uma direção combativa pode
levar as massas para as vitórias imediatas e históricas. E tudo isso
especialmente pela prática, pela ação, pelo exemplo.
Isso significa então que não devemos
nos adaptar, estagnar, aceitar como “dado” o nível da consciência aparentemente
“atrasada” de um determinado setor (nem desanimar frente a possíveis concepções
conservadoras do povo), mas devemos trabalhar em cima dela para avançá-la, e
não dar um salto mortale entre aquilo
que achamos correto e aquilo que está
dado. Um exemplo bem prático: uma escola que não possui grandes
experiências de luta e os estudantes fazem um abaixo-assinado ou um
"plebiscito" por alguma demanda, acredito que nós (militantes
combativos) devemos participar e ajudar, mesmo sabendo que muito provavelmente
esse método de luta não terá grandes efeitos. Ou seja, a greve estudantil, a
manifestação de rua, a ocupação de órgãos públicos e demais métodos de ação
direta de massas nem sempre são possíveis e, portanto, nem sempre devem ser
defendidos, mesmo que saibamos que apenas eles poderão resolver um determinado
problema pois, por outro lado, podem levar a grandes derrotas se organizadas de
forma irresponsável (sem base e apoio real), podendo levar a grandes
retrocessos políticos para os setores combativos (demissão, prisão, etc. sem
uma retaguarda preparada).
COMBATER CONJUNTAMENTE O SUBJETIVISMO E O FATALISMO
Porém, depois de levantar toda essa questão devemos encarar um fato: O
que hoje aparenta estar dado está
sujeito a transformações, ou seja, não está dado. Aquilo que é hoje, não o será amanhã. O que
determina essas modificações de conjuntura (da passividade à ação, da
desorganização à organização, de uma direção reformista à uma revolucionária)
não é nem por um lado só a conjuntura (como um “fato dado”), o que nos faria
cair em um fatalismo ou determinismo, nem tão somente a nossa própria ação
(enquanto sujeitos individuais ou coletivos, grupos, etc.), o que nos faria
cair no erro oposto: o subjetivismo.
O subjetivismo faz com que os militantes e os grupos em geral percam de
vista a importância da análise da
realidade, as potencialidade e limites estruturais ou conjunturais as quais
os militantes estão envolvidos. Isso é um erro profundo, pois faz parecer ao
militante que ele deve simplesmente “aplicar” um programa na realidade,
independente do momento, do local, ou seja, independente das condições
histórico-geográficas. Aqueles que quiserem efetivar os ideais mais sublimes
devem se curvar à materialidade da vida, das condições objetivas, sob o risco
do subjetivismo cair facilmente no sectarismo, ou seja, de uma ideia proposta
de forma mecânica que quer provar a sua validade unicamente pela
"justeza" de sua argumentação ou ação (e se a massa não fica ao seu
lado: são atrasados demais, alienados demais, etc.). Esse sectarismo pode ser
tanto pelo lado dos pelegos quanto pelo lado dos revolucionários, e se expressa
quando ambos se deslocam da realidade das lutas (com a diferença que os pelegos,
frente a uma base mobilizada e ideologicamente combativa, atuam em geral
reforçando a ideologia dominante, o que faz aparentar que suas defesas do
pacifismo, das eleições burguesas, etc. sejam vistas mais como “senso comum” do
que propriamente como sectarismo).
Muitos, no entanto, ao combater o subjetivismo caem no seu oposto: o
fatalismo ou determinismo, ou seja, se curvam frente ao que está dado pela
realidade (em geral ressaltando as insuficiências e dificuldades da atuação
revolucionária, ou seja, das dificuldades em se modificar essa realidade). Não
compreendem que a realidade da luta de classes é também formada pela ação dos
sujeitos reais e vivos que interveem (ou não) nessa mesma realidade. Esse erro
recai não poucas vezes em diversos outros erros: pessimismo, academicismo, reformismo,
etc.
Em geral, a postura dos partidos reformistas brasileiros são um ótimo
exemplo de como o fatalismo é manejado nos interesses da classe dominante. Um
exemplo é a argumentação recente contra a violência nas manifestações advinda
do PSTU, um partido que em palavras (de forma obviamente oportunista) defende uma
revolução no Brasil (sic!). Dizem, no entanto, que atualmente não existem
condições para utilizar a violência e a autodefesa popular nas manifestações (e
acusam de irresponsáveis aqueles que ousam demonstrar sua viabilidade e
necessidade), e por sua vez tratam de eternizar tal “condição” com sua prática
cotidiana pacifista e legalista (juntamente com todos os outros partidos
eleitoreiros, com a mídia corporativa, etc.). Ou seja, a defesa da realidade
“tal como é” (ou tal como criam em suas cabeças!) vira um subterfúgio para
justificar a covardia política e o reacionarismo das posições reformistas.
Isso obviamente são deformações
anti-dialéticas da compreensão da realidade. Como dissemos, a realidade é constante
movimento, é processo de destruição e construção de coisas novas. Nesse
processo nós somos sujeito e objeto ao mesmo tempo, não há separação entre o
Ser e a Coisa analisada (ou entre nós e a realidade). Tendo em vista também que
não somos “seres externos” à classe trabalhadora, devemos ter claro que quando
falamos que uma fração específica da classe possui determinadas
características, isso também nos inclui como objeto de análise. Quando falamos que
a classe deve se organizar isso tem um significado específico para nós (como
trabalhadores combativos que somos) como uma tarefa concreta e diária e não um
mero problema acadêmico analisado “externamente”, de dentro dos escritórios.
No subjetivismo o “Ser” se torna o
fator “determinante” da realidade, e no fatalismo a realidade é quase
intransponível pelo Ser. Existe em ambas uma separação imprópria entre sujeito
e objeto que impede uma correta conduta e compreensão no processo da luta de
classes. Os partidos reformistas e seus “argumentos” devem ser desmascarados
nesse sentido: eles são a causa do que eles mesmos dizem combater (que os
protestos são desorganizados demais, e blá blá blá!), e a nova conjuntura e os
novos protestos combativos são, no que há de melhor e de pior, a consequência e,
ao mesmo tempo, a superação, deste velho reformismo brasileiro.
Portanto, as organizações, partidos, sindicatos e correntes obviamente
por seus métodos, programas e teorias podem atrasar ou avançar a luta de
massas, claro, mas sob certas condições. As disputas entre as forças políticas existem
são fundamentais para definir se uma luta será ou não vitoriosa, se ela avançará
ou não na organização e consciência dos trabalhadores e estudantes (exemplos é
o que não faltam). Mas as possibilidades inclusive de uma oposição combativa se
alçar como direção de uma luta de massas estão também no fato de que a classe
vai aprendendo principalmente com as experiências coletivas de luta (e não apenas
argumentativas). De que os fatos históricos da luta de classes não podem
simplesmente serem “controlados” por um agrupamento "X" ou
"Y" (seja pelego ou revolucionário). Obviamente as lutas podem e devem
ser suscitadas e direcionadas de forma combativa (através da agitação, propaganda,
organização e direção), mas sempre sob determinados condições que fogem às
nossas escolhas.
O EXEMPLO DAS JORNADAS DE JUNHO DE 2013
O melhor exemplo para esse debate são
as recentes mobilizações iniciadas em junho, as chamadas “Jornadas de Junho”.
Muitos grupos e partidos e até mesmo “grandes” intelectuais analisaram com
desconfiança e/ou teceram longas críticas às pautas de reivindicações e métodos
de luta utilizados pelo povo nas ruas. Diziam que os protestos começaram
legítimos (contra o aumento das passagens), mas que descambaram para pautas de
direita (contra a corrupção, etc.) ou até mesmo que haviam perdido o foco
(haviam muitas reivindicações difusas e sem centralidade). Por outro lado
muitos deles chegaram a afirmar que protestos legítimos haviam descambado para
a violência “fascista” e antidemocrática dos vândalos.
No final das contas o que todas essas
organizações reformistas fizeram e fazem frente às Jornadas de Junho e seu
legado é: 1) Não compreenderam que toda essa explosão não caiu do céu, ou do
facebook, ela é fruto de todo um processo histórico e também de uma conjuntura
recente de ampliação da exploração das massas populares no campo e na cidade
sob a égide do projeto desenvolvimentista, e não “quiseram” compreender
precisamente por fazerem parte desse projeto; 2) As massas que se viram
atacadas pelo Estado desenvolvimentista e militarista não se reconheceram, portanto,
nos partidos e sindicatos da esquerda reformista que por sinal compõem este
Estado, e nesse sentido se lançaram nas ruas obviamente sem uma grande
organização, mas que não tira o mérito de imprimir uma característica relativamente
autônoma às lutas (exatamente pela falta da velha tutela burocrática); 3) Dessa
forma, os partidos reformistas se desligaram profundamente dos setores mais
avançados das massas e da juventude, aqueles que efetivamente estavam e estão
construindo novas vias de luta popular no Brasil, sendo que os “dias nacionais
de luta” (dia 11 de julho e dia 30 de Agosto) são os melhores exemplos dessa
política de fato sectária, anti-dialética e reacionária (pois comprometida com
o velho).
Não
sem críticas ou propostas próprias, os setores combativos (a exemplo da Rede
Estudantil Classista e Combativa, dentre outros) estiveram sempre lado a lado
com o povo nas manifestações por “melhores condições de vida” e buscando fazer
avançar a consciência de classe e a organização popular. Buscando desenvolver o
novo e se fundir ao novo movimento, os grupos e militantes combativos se
lançaram às barricadas sem qualquer apego pelos debates infrutíferos e
sectários sobre uma pretensa “unidade de esquerda” (que na verdade só serviria
para paralisar e tutelar a ação do povo novamente para dentro do Estado
burguês... nada mais reacionário).
Todo a estabilidade (teórica e prática)
do reformismo foi abalada com as Jornadas de Junho, e continuam a ser até os
dias de hoje com as importantes batalhas que os professores do Rio de Janeiro
protagonizam junto aos jovens mascarados. O que antes era visto como sectarismo
de “grupelhos lunáticos” (ação direta, combatividade, rejeição aos partidos
eleitoreiros, etc.) foi finalmente experimentado pelo povo em luta, e foi nesse
momento que a realidade se transformou profundamente. Sectários e intragáveis
viraram então todas as centrais e partidos reformistas que, nesse momento, com todas
as verbas do imposto sindical, aparatos, mandatos parlamentares, acordos de
gabinete, anos de experiência no oportunismo, simplesmente se desmancharam no ar.
Esse
é um exemplo de por que devemos compreender a realidade como processo em
constante transformação. Na luta de classes sempre existe um espaço para
debatermos nossas propostas, e nós vivemos atualmente um momento privilegiado
para tal. Entremos nas disputas, nos debates, demonstremos as incoerências e
atrasos do reformismo e estabeleçamos uma linha alternativa e revolucionária
para pensar e agir na realidade. Não caiamos, portanto, na covardia política
dos partidos reformistas travestida de “análises objetivas” (como já dissemos
anteriormente sobre o caso do PSTU); mas também não caiamos no subjetivismo
“fogo de palha” (próprio de alguns grupos informais e militantes “nascidos” nas
ultimas lutas) pois este cedo ou tarde demonstrará seus limites. Busquemos na própria
luta, ombro-a-ombro com o povo, aproximar essa nova geração da militância
combativa para um verdadeiro projeto de construção revolucionária a curto,
médio e longo prazo.
AÇÃO MILITANTE E COMPREENSÃO DA REALIDADE
Nós, militantes combativos e classistas, atuamos dentro das contradições
do sistema capitalista, estamos o tempo inteiro regulados e sob a hegemonia e
ofensiva do Capital e do Estado. Apenas a ação e experiência de luta da classe
trabalhadora (e de sua vanguarda combativa) pode colocar-nos futuramente na
ofensiva contra a burguesia e seu Estado. A luta deve ser desenvolvida desde
já, com a utilização das táticas necessárias de acordo com as condições
objetivas. Nesse sentido o trabalho cotidiano de análise de conjuntura serve
justamente para a militância combativa se situar na realidade e indicar possíveis
cenários desta, fator que pode prepará-la para os desafios futuros.
Qual é então o papel dos militantes combativos? Devemos agir junto ao
povo no sentido de gerar experiência coletiva de luta, único meio capaz de
avançar efetivamente na consciência e na organização das massas populares.
Devemos estar nas vitórias e nas derrotas, apontando os elementos passíveis de
aprendizado, cimentando os pontos positivos e retificando os erros.
Atuar junto ao povo, não significa de forma alguma, “seguir a
correnteza”, agradar as “maiorias” pré-estabelecidas (tal como aceitar, por
exemplo, que a CUT, a UNE e o MST são as únicas vias possíveis, pois atualmente
hegemônicas), significa sim a identificação das ação necessárias para
desenvolver as potencialidades de luta das massas (e de setores específicos),
olhando para o presente e para o futuro, para aquilo que somos hoje e aquilo
que seremos amanhã seguindo determinada conduta. A conduta da militância
combativa junto ao povo não deve, portanto, levar em consideração qualquer
“respeito” pelas pretensões de validade das posições e dos discursos da
burocracia partidária e sindical, elas estão sendo desmascaradas pela própria
realidade, é nossa função ajudar o povo a “enterrar de vez” o oportunismo em
suas fileiras.
Tal perspectiva de pensar o movimento da realidade (e, portanto, o
presente e o futuro) nos fará ver exatamente que o aprofundamento do conflito
de classe, através da ação direta dos trabalhadores contra o Estado burguês,
leva a óbvia possibilidade de crise do reformismo (de seus métodos, programa e
teoria) e traz possibilidades incalculáveis para a ação dos setores combativos.
É quando a “minoria” se funde definitivamente na realidade convulsionada (pois
já possuía em si os germes do novo) e se torna “maioria” no próprio processo
histórico.
Portanto, a luta contra o subjetivismo
e o fatalismo em nossas fileiras servem para que possamos cumprir e avançar em
nossas tarefas enquanto militantes revolucionários. De que não podemos
desanimar na primeira queda, nem tampouco devemos cair novamente, devemos
aprender com os erros. Assim como o povo nas Jornadas de Junho, nós também não
iremos nos instruir primeiro para depois agir, é na riqueza da luta concreta,
nos combates e nas barricadas, que iremos conhecer melhor nós e os nossos
inimigos. Melhorar nossa ação militante, nossa determinação ideológica,
enrijecer os nervos, para atacar o inimigo até sua derrota.
NÃO RETROCEDER, AVANTE!
Outubro de 2013
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